terça-feira, 14 de dezembro de 2010


Pan Gu e o nascimento do mundo

          No início dos tempos, céu e terra estavam unidos e mesclados em um ovo. E dentro dele nasceu Pan Gu. Durante muito tempo o menino Pan Gu cresceu no ovo. Aos poucos, despertou. E se apertou. Logo já não cabia dentro de si. Mal podia se espreguiçar. Com toda a força apoiou os pés, ajeitou os ombros e empurrou para cima.  Aos poucos o que era claro foi se fazendo céu e o que era turvo foi se fazendo terra. E o céu subia uma vara ao dia, e a terra baixava outra vara e Pan Gu crescia outro tanto. Passaram dezoito mil anos e o menino virou homem. O céu chegou ao máximo pelo alto, a terra ao máximo por baixo e Pan Gu ao máximo de seu tamanho.  O homem madurou. Compreendeu a sabedoria do céu e a potência da terra.
Cansado, Pan Gu se deitou. Fitou o céu, e soube que estava morrendo. E, assim, seu corpo foi perdendo a forma. Respirou profundamente e seu hálito ventou nuvem. Uma tosse fraca e sua voz arranhou trovões. Logo o olho esquerdo brilhou sol. E o direito piscou lua. No cabelo, o negro céu caiu caspas de estrelas.
Ofegante, choveu até transpirar. Suou pântanos. Suas montanhas retesaram músculos. Logo, tendões alongaram estradas de terra, saltaram veias na grama. A pele dos campos se fez bosque. E o sangue jorrou rios que correm pela terra. E enfim, seus ossos descansaram pedras entre dentes minerais. Da medula verde jade. Do esperma a pérola.
E seus ácaros? Soprados pelo vento, caem homens. Estes se juntam em povos. E se coçam pelo mundo. Dentre eles, alguns ainda se lembram de Pan Gu. Ensinam a escuta do corpo. Observam as estações. São atentos aos humores das coisas miúdas. E ao silêncio das mutações.

(Adaptação livre de fragmentos a repeito do mito de Pan Gu. Os fragmentos são encontrados em Mitologia clásica china. Edicions de La Universitat de Barcelona, 2004. Edição e tradução de Gabriel García-Noblejas Sánchez-Cendal. Outras fontes: São Paulo: Andreoli, 2010. Maspero, Henri. El taoísmo y las religiones chinas. Trotta: 2000.)

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