sexta-feira, 4 de março de 2011

O encontro de Confúcio e o velho Dan


 

Elimínese la inteligencia, rechácense las argumentaciones,
y las gentes obtendrán beneficios cien veces mayores.
Elimínese la hipocresía, rechácese el fingimiento
y las gentes retornarán a la piedad filial y al amor.
                                                                                                             
Tao Te Ching, XIX[i].


          À medida que adentrava a capital de Zhou, Confúcio podia sentir seu coração se encher de expectativas. Já era respeitado por sua erudição. Seu nome circulava entre os nobres do Reino de Lu. Acreditava que em pouco tempo algum governante esclarecido lhe daria uma oportunidade. “Sei que todos podem se educar nos ritos e na cultura”, repetia para si mesmo. “A única forma de pôr um fim nessa decadência dos costumes é a retomada dos ritos, tal como nos tempos áureos do governo de Zhou.” Sentia que estava conectado com a vontade do Céu.
          Em Zhou, desejava conhecer um ancião que diziam ser um homem de grande sabedoria conhecido como o velho Dan. Naquela manhã, foi ao seu encontro perguntar acerca dos ritos. Como sempre, seus discípulos o seguiam aonde quer que fosse. Ao chegarem ao destino Confúcio pediu que fosse anunciado a Lao Dan[ii]. Fez um sinal para que seus discípulos aguardassem a uma distância razoável da morada. Não queria que a movimentação o incomodasse. Chamado a entrar, transpôs o portal e caminhou com discrição até uma pequena sala. Logo pôde ver um velho sentado no fundo da sala, talhando uma pequena tabuleta de bambu. Prontamente, adotou uma expressão de gravidade. Inclinando-se, juntou as mãos cerradas à frente da cabeça formando um arco. Seu manto, que parecia vivo, acompanhava o movimento de seu corpo. O velho ergueu a cabeça e viu Confúcio, as mãos ocultas sob o manto, em reverência. Permaneceu na postura por alguns segundos. Com resolução, Confúcio ergueu o olhar em direção ao velho, recolheu os braços para trás da cintura, as mangas agitavam-se como asas. Em uma fala eloquente, mas sem perder certo ar circunspecto, interrogou ao velho acerca dos ritos.
          O velho, que até então só observava, lhe disse:
- Todo vosso ensino não passa de palavras ditas por homens que há muito desapareceram junto a seus ossos. Quando um homem virtuoso se acomoda a seu tempo marcha em carruagem, e quando não, se move sem rumo levado pelo vento. Ouvi dizer que um bom comerciante guarda tão bem sua mercadoria que aparenta não ter nenhuma, e que o homem virtuoso, de grandes qualidades, parece um estúpido. Suprime vossa arrogância e vossa ambição, vossa obsequiosidade e vossa lascívia: tudo isso não favorece em nada vossa pessoa. Isso é tudo o que tenho a lhe dizer.
          Confúcio se retirou. Do lado de fora, seus discípulos afetaram expectativas ao ver seu Mestre retornar. Yan Hui logo lhe interrogou sobre a conversa.
           Confúcio disse:
- Sei que um pássaro voa, que um peixe nada, que um animal anda; para o que anda, posso fazer uma armadilha; para o que nada, posso fazer um anzol; para o que voa, posso fazer arcos e flechas. Quanto ao dragão, no entanto, escapa a minha inteligência o modo como se eleva ao céu montado no vento e nas nuvens. Depois de vê-lo hoje, penso se o Mestre Lao não será como um dragão.
          O velho Dan cultivou o Tao e sua virtude. Baseou sua doutrina em viver ignorado, sem renome algum.



(As falas de Lao Dan e Confúcio são da versão de Sima Qian, o primeiro grande historiador da China antiga, e podem ser encontradas no Lao zi liezhuan do Shi Ji  (Registros históricos. Utilizei a tradução de Iñaki Preciado Idoeta. O modo como Confúcio agia em atos oficiais, religiosos e sociais – os ritos - é descrito no Capítulo 10 dos Analectos).

[i] Tao Te Ching. Los libros del Tao. Lao Tse. Editora Trotta. Madrid, 2010. Edicíon y traducción del chino de Iñaki Preciado Idoeta. O trecho é uma tradução do Lao zi de Guodian.
[ii] Lao Dan: o velho Dan.


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