sábado, 7 de maio de 2011

Gongsun

Meu nome é Gongsun e moro na província de Pi. Levo uma vida simples e regular. Aqui na província gostam de falar que sou neto do Imperador Amarelo. Dizem: “Lá vai o neto do avô”. Mas a verdade é que sou colateral de ramo. Não denomino importâncias. Vivo num terreno baldio de pequenos ramos de chão. Acordo por volta das cinco e vou para a cama antes das nove. As pessoas rendem mais em horários diferentes do dia, mas eu definitivamente sou do tipo matinal. É nessa hora que tenho mais energia para aproveitar a maré e dar conta do trabalho que tenho para fazer.
Os vizinhos me veem agachado olhando para o chão atrás de ramos diminutos, balançam a cabeça, como quem diz, “perdeu o juízo”. Mas penso que as pessoas precisam realmente estabelecer prioridades na vida, imaginar em que ordem deve dividir seu tempo e sua energia. Estabeleci como prioridade cuidar do baldio. Desde então me ocupo de ramos. Na área do baldio minha ação é ampla. Aqui crescem arbustos de folha caule raiz para o estômago regular. Mas valorizo mesmo os diminutos: aqueles capilares que dão que nem praga. Acho que tenho gosto por insignificâncias. Por cobrirem todo o terreno, resolvi chamá-los sun luo.
Logo no início descobri que arrancá-los fazia sangrar. Dessa forma aprendi a evitar hemorragias. Mas aqui não existem só arbustos e ramos diminutos. Também dá flor. Na verdade é uma única flor. Solitária em meio a cascas grossas de arbustos mal lavados, ela tem algo que a diferencia de todas as flores que podem ser encontradas em qualquer terreno de fim de rua: ela sangra. Todo mês se acostumou. É de natureza mesmo. O que preciso fazer é uma poda bem feita: assim cessam as dores e irregularidades. “Promode num ajunta coáglio”, já dizia o gineceu.
Assim passo meus dias. Não espero que os outros entendam. As pessoas têm seus próprios gostos e antipatias. O que para uns é abandono, para mim é um arrastar-se em conexões cada vez mais profundas. Sinto que, aos poucos, me ramifico outra pessoa. Já ando esquecido daquela tensão no peito. Ou da ansiedade e inquietude que por vezes chegavam a perturbar meu sono. Mas sei que tenho o entendimento desses meninos do mato. Eles sempre aparecem por aqui: gostam de invadir o terreno para obrar. Então eu simulo contrariedade: dessa forma eles continuam voltando. Ainda quando o cago está verde eu faço questão de misturá-lo à terra. O cago têm o dom da nutrição -  além de ser o resultado.
Não sei se por andar descalço na terra, se por ter pegado gosto por lavrar, ou se por andar pisando no obrar dos outros, uma manhã acordei de árvore. Explico: na banda interna do meu pé brotou um ramo. Na verdade dos dois pés. Penso se foi tentativa de ficar enraizado ou de me ligar no profundo. Mas por razões de ir e vir que desconheço, o ramo brotou internamente e logo sua desproporção escapou do terreno chegando até a província de Wei. Os meninos que arrodeavam o baldio acharam graça desse fato. Em pouco pegaram o hábito de pulular seguindo o trajeto do ramo. Penso como isso pode parecer estranho, mas é por essas e outras que sei que sou colateral de ramo. Dessa maneira vejo como é natural que os seres humanos continuam a fazer as coisas de que gostam. É por motivo de árvore que meu ramo faz conexão com o estômago. Assim penso. Cada um com seu trajeto interno.
Mas nas juntas do obrar onde as moscas me governam achei a solidão. Pensava que talvez não fosse um traste que se preze. Assim, acabou que o abandono fez de mim hábito. Até o dia em que recebi uma visita. Fato inédito à exceção dos diminutos. Ela disse ter seguido desde Taibai beirando osso até o pé do morro metatarso, e chegando ao baldio, quando me viu trabalhando a terra, entre a carne branca e a carne vermelha, sentiu que precisava falar comigo. Percebi alguma coisa diferente. Vi meu peito dar abertura. Meu chamo Neiguan – disse com um leve sorriso, a voz levemente rouca e um ar de maestro corazón.

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