terça-feira, 4 de janeiro de 2011


Yu e a abertura dos canais

               Nos tempos antigos, vez por outra os rios transbordavam. Mas quando Yao era imperador na terra, o mundo sumiu sob as águas. A água era tanta que estremeceu a voz do povo: “É o dilúvio!”. Depois que as águas romperam os leitos dos rios, no corpo do mundo só havia umidade.  Onde crescia uma variedade de grãos só havia pântano. Desterrados animais selvagens se voltavam contra as pessoas. Acuadas em suas casas, vozes obstruíam os buracos das paredes e mofavam os espíritos. O caos tomou conta do povo amarelo.
                Na ânsia de conter a inundação Gun pegou da Argila que se Expande[i] e construiu diques, como nos anos anteriores. Não deu jeito. Por havê-la tomado sem permissão, o Imperador do Céu mandou matar Gun, que foi sacrificado no Monte das Penas. Morto, seu estômago se abriu e dele saiu Yu.
Sem prolongar os castigos e as penas, o Imperador do Céu ordenou a Yu que colocasse o mundo fora de perigo. Yu repensou a situação. Então desfez os diques de argila e convocou um grande número de deidades em um monte para traçar seu grande plano. Designou tarefas e iniciou o trabalho de abrir canais para drenar as águas.
               Caiu no mundo pisando lama. Durante anos trabalhou sem descanso. Passou grandes dificuldades. Bebeu e comeu do simples. Mas o trabalho era enorme e Yu definhou. Era só osso. E cavou terra. A devoção ao trabalho o deixou manco. Mas empregando todas as suas forças seguiu na labuta. Percorreu o mundo mancando cambito. Em seu caminho arrumou mulher e um filho. Dizem que na primeira vez que sua mulher viu todo osso, ela falou: “Olha que o tutano até que dá um caldo!”. E de osso Yu fez uma criança. Mas passou tanto tempo fora de casa que só conheceu filho crescido. Durante esses anos Yu aprendeu a viver do eterno ajuste.
              Com o Dragão Amarelo arrastando a cauda à sua frente, abriu vias extraordinárias para reconduzir os leitos. E após nove anos, logrou domar as águas. Realizado o trabalho, Yu se encontrava sentado olhando o rio Amarelo, quando viu emergir um rosto branco unido a um corpo de peixe. “Sou o espírito do rio Amarelo”, disse a Yu, e de pronto lhe entregou um mapa das vias das águas, suas convergências e divergências. E então, voltou ao rio e desapareceu.
             Yu pôde falar sobre a engenharia dos canais aos camponeses. Ensinou-lhes sobre a via das águas. E dessa maneira, deu ferramentas aos camponeses para que pudessem realizar os próprios ajustes em seus campos de grãos.
 Por sua virtude, Yu se tornou o fundador da Dinastia Xia e ficou conhecido como Yu, o Grande[ii]. Hoje em dia, quando o céu ameaça desabar sobre a terra, sacrifícios são feitos ao espírito de Yu. Em transe, os homens dançam horas sem parar. Imitam o seu mancar e atravessam a noite no passo de Yu.

(Adaptação livre de diversos fragmentos a respeito da lenda de Yu e do que ficou conhecido como a Grande Inundação. Os fragmentos foram compilados, editados e traduzidos por Gabriel García-Noblejas Sánchez-Cendal em Mitologia clásica china. Edicions de La Universitat de


[i]A Argila que se Expande era um tipo de terra que aumentava e crescia infinitamente, daí Gun tê-la usado para tentar conter as águas.

[ii] Ou ainda: Da Yu.

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